sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Quilombolas investem em turismo étnico
12/07/2008 - 20h18 (Márcio Castilho - A Gazeta)
foto: Gildo Loyola/A Gazeta

Resgate. Apresentações teatrais mostrando a história da escravidão na comunidade atraem turistas em Monte Alegre, um dos mais ricos remanescentes de quilombo no Estado
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Duas comunidades distantes geograficamente no mapa mantêm viva a cultura e a tradição negra no Espírito Santo. Quem visita a comunidade de Monte Alegre, um dos mais ricos remanescentes de quilombos, em Cachoeiro de Itapemirim, na região Sul, e Santa Luzia do Norte, um pequeno distrito em Ecoporanga, na divisa com Ponto Belo, no Norte do Estado, entra em contato com a história do Brasil contada pelos próprios negros, descendentes de escravos. São esses dois cenários que passaremos a contar a partir de agora, começando pela comunidade de Monte Alegre, onde o desenvolvimento do turismo étnico, cultural e ambiental pode servir de modelo a outros remanescentes de quilombos no país. O relato das experiências em Santa Luzia, distrito também conhecida como Patrimônio dos Pretos, poderá ser conferido na edição de amanhã. Escravo da fazenda Boa Esperança numa área vizinha à comunidade de Monte Alegre, Adão costumava ficar acorrentado ao tronco como punição por sua insubordinação. À noite, fugia a cavalo para se encontrar com os abolicionistas e namorar as escravas na senzala de outra fazenda. Antes do amanhecer, o escravo voltava ao tronco para não chamar a atenção dos seus capatazes. Mais de 100 anos depois da Abolição, a história de Negro Adão se mantém viva não apenas na memória dos seus descendentes, que moram em Monte Alegre. A prisão, a fuga e o namoro do escravo são encenados por um grupo de teatro formado por moradores no próprio cenário dos acontecimentos, na Floresta Nacional de Pacotuba.
Podcasts:Os bastidores da série de reportagens 'Nossa Gente'Repórter Márcio Castilho entrevista membro de comunidade Quilombola no Estado (áudio – Leonardo Ventura / turismólogo e líder da comunidade)
As apresentações teatrais não são a única atração do lugar. Monte Alegre está resgatando a tradição da cultura negra na dança, na gastronomia e no artesanato. A comunidade serve de base para um projeto de turismo étnico, cultural e ambiental desenvolvido há pouco mais de um ano com recursos do Ministério do Turismo. Além do resgate cultural, as atividades, orientadas pelo Instituto Novas Fronteiras de Cooperação, oferecem uma alternativa de renda para 102 famílias quilombolas. Segundo o organizador Leonardo Ventura, desde junho de 2007, 2,3 mil pessoas visitaram a comunidade para conhecer os projetos e as belezas naturais da Floresta de Pacotuba, que ocupa uma área de 450 hectares preservados de Mata Atlântica. "O resgate cultural acontece porque proporciona renda para os moradores. Durante uma visita de alunos universitários, a comunidade arrecadou R$ 3 mil com hospedagem, as apresentações teatrais e o ingresso para as trilhas". Trilhas e danças afras são atrações Ao chegar em Monte Alegre, o turista pode percorrer as trilhas ecológicas para conhecer a flora, a fauna e as plantas medicinais que, no passado, eram retiradas da floresta. São quatro caminhos: na Trilha das Árvores Centenárias, são encontradas espécies como o jequitibá e a aroeira, com mais de 500 anos, segundo cálculo baseado na dimensão das árvores. O som emitido pelo macaco-prego e pelo bugio acompanha os visitantes. Outras atrações são as trilhas do Negro Adão e do Mangula, onde são encenadas as apresentações sobre importantes personagens da história da escravidão em Monte Alegre. Há também a Trilha Científica, utilizada principalmente pelos estudantes.Dalton de Souza, que mora numa pequena propriedade no trecho final da Trilha das Árvores Centenárias, aproveita o movimento para vender sorvete de chocolate por R$ 1,00 e sacolé de coco e amendoim pela metade do preço. "É uma pequena contribuição, mas sempre ajuda a pagar uma energia", afirma.As danças típicas também resgatam as manifestações populares da comunidade de origem africana. O projeto de turismo étnico, cultural e ambiental inclui apresentações de caxambu, que tem como mestra Maria Laurinda Adão, a mais ilustre moradora de Monte Alegre. Maria Laurinda foi considerada ícone da cultura negra no país pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Os grupos formados na comunidade também encantam o público com o maculelê, a capoeira de Angola e o samba de roda, além da dança afro-contemporânea.Coco, milho e bambuO artesanato expressa a tradição e o estilo de vida dos quilombolas. As peças são produzidas com matéria-prima da floresta, como argila, bambu, palhas de milho, coco, bananeira, folhas e sementes. Na culinária, o visitante não pode deixar de saborear o angu de banana verde com peixe seco. Dizem os mais antigos que as mulheres secavam o peixe, pois os escravos eram proibidos de consumir esse tipo de alimento. Nas lavouras, os negros colhiam as bananas verdes para compor o prato, uma vez que as maduras eram levadas para a casa grande.O público terá a oportunidade de conferir todos os projetos culturais desenvolvidos em Monte Alegre em um único evento, provavelmente em comemoração ao Dia do Folclore, no dia 2 de agosto. A data ainda não foi confirmada. Quem quiser mais informações sobre o evento ou fazer pacotes e reservas para conhecer a comunidade pode ligar para Leonardo Ventura, através dos telefones (28) 9917-0842 ou (28) 3517-0115.Parcerias viabilizam bolsas em faculdadeAs ações culturais estão contribuindo para elevar a auto-estima das famílias quilombolas. Atividades que vão desde o concurso de beleza Pérola Negra até parcerias com instituições de ensino superior resgatam o orgulho dos moradores por suas tradições. A Faculdade São Camilo, em Cachoeiro de Itapemirim, concedeu 35 bolsas integrais de graduação para os moradores. A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Alegre também abriu cinco bolsas para a pós-graduação em Educação Ambiental. Há poucos anos, não havia nenhum morador com nível superior na comunidade.Cursando o último ano de pedagogia, Fabiana Batista de Souza, 30 anos, tornou-se uma das primeiras quilombolas a atuar como diretora de uma escola pública no Estado. Há um ano como gestora da Escola Municipal de Educação Básica de Monte Alegre, ela conta que precisou interromper os estudos depois de ficar desempregada. Com a bolsa, espera retribuir o investimento disseminando a importância de valorizar a cultura negra na escola. A unidade tem 84 alunos, a maior parte quilombolas. "Percebemos uma aceitação maior dos alunos em relação às suas tradições. Isso se deve ao trabalho desenvolvido pela escola e pelo projeto de turismo. Estamos plantando hoje para colher mais tarde. Esperamos que os frutos sejam muito bons", afirma. A comunidade também está iniciando um trabalho visando a diversificar a produção, hoje baseada no plantio do café. Em parceria com a Escola Agrotécnica Federal de Alegre e o Incaper, estuda a viabilidade de usar a aqüicultura como alternativa de renda.

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